História da Família
Antepassados na Ilha da Madeira em Campanário
 
AS ORIGENS:

Meus filhos, muitos sobrinhos e alguns amigos têm insistido para que eu escreva sobre episódios e historias de nossa família. Dizem que seria pena que se perdesse o que chamam “a memória” de nossa gente.
Como se eu fosse o repositório da crônica familiar e o único capaz de rememorar os nossos “feitos”.
Outros já os poderiam ter posto no papel. Por que meu Pai, meus tios ou mesmo meus primos não o fizeram? Não sei.
A eles, sem dúvida, sobravam o engenho e arte que a mim certamente faltam.

É verdade que hoje sou o decano, em linha masculina, dos Mendes Gonçalves. E se alguém tivesse que gravar as nossas reminiscências seria eu, não “par droit de conquête” mas, certamente, “par droit de vieillesse!”.

Vou atender aos apelos, muito embora me faltem para tanto o engenho e arte a que me referi.

Mas como começar? Por ordem cronológica, crescente ou decrescente ? Por ordem de importância? Por ordem de interesse ? Ou sem ordem nenhuma ?

Penso impor ao relato a ordem cartesiana que a minha formação exige. Sem, contudo esquecer os conselhos de Pascal, sorrir sempre e, se possível, gargalhar...

Diziam que a origem conhecida dos Mendes Gonçalves ou dos Gonçalves chegaria a Pepino, dito o Breve, Carlos Martelo seu Pai e, em conseqüência, a Carlos Magno, seu filho. ...

Outros dizem que seriam descendentes de D. Gonçalo, o Zarco (caolho) descobridor da Ilha da Madeira.
Não há qualquer prova, apenas meu nariz muito se assemelha ao de Dom Gonçalo, em sua estatua em Funchal...

Documentos, transcritos do “Elucidário Madeirense”, dão conta de que os Gonçalves do Campanário procedem de Francisco Gonçalves casado em 1595 com Francisca também Gonçalves, etc., etc.
Entre seus quintos netos, que viveram no final do século XVIII, está Dona Justina (não será Dona Leocádia? Creio que sim) Gonçalves de Andrade que se casou com o Dr. Antonio Joaquim (ou José Ricardo) Mendes de Freitas. O nome Mendes Gonçalves vem da união entre os Gonçalves de Andrade e os Mendes de Freitas.

Tia Virginia falava muito das tias Justiniana e Constantina ... Quem seriam? Nunca saberemos? Irmãs de seu Pai, talvez. Filhas de Vovó Leocádia ?

O 5º Bispo de São Paulo, Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade (+ 1847), que está sepultado na Cripta da Catedral de São Paulo, era irmão de Leocádia Carolina Gonçalves de Andrade (minha tataravó, (* 1802 + 1898) que repousa no Cemitério. da Consolação)

Dois sobrinhos do bispo, a seu conselho, foram para São Paulo tentar a vida, já que a Madeira pouco poderia oferecer.

Um deles foi o que se tornou Professor Catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito de São Paulo, onde há uma sala com seu nome, Francisco Justino Gonçalves de Andrade.
Muito culto, estudioso, de grande saber e muitas virtudes, se notabilizou como o primeiro grande civilista brasileiro.
Era homem de vastos conhecimentos, brilhante talento, inquebrantável austeridade de caráter, princípios morais rígidos.
Cultivava grande amizade com o Imperador D. Pedro II, que lhe fez Conselheiro do Império, o que lhe valeu ser jubilado, ao ser proclamada a República. Nascido em 1821 veio a falecer em 1902.

Seu irmão e companheiro de viagem, o Cônego João Jacinto Gonçalves de Andrade, também chegou a ser lente da Faculdade de Direito, sem nunca, no entanto, ter abandonado suas funções eclesiásticas.

Corre na família, que o Cônego apreciava muito a vida mundana e que seu irmão o Professor Justino, muito recatado, ao contrário, levava vida ascética, recolhida, sempre a estudar.
Quando recebia, por acaso, alguma visita feminina dela se esquivava, dizendo; “procure meu irmão, o Cônego, ele é que entende de” rabos de saia”.

Em tempo: houve outro eclesiástico, parente, Joaquim Manoel Gonçalves de Andrade, o que foi, por duas vezes, presidente da Província de S. Paulo, por volta de 1875. Este quem seria? Qual o seu lugar na arvore?

O bispo D. Manoel Joaquim exerceu por três vezes, em 1830 +/-, a presidência da Província de São Paulo e foi um operoso administrador da Diocese de São Paulo.
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A propósito dos Gonçalves do Campanário e da Ilha da Madeira, nosso primo Carlos Lacerda, que governou a Guanabara, grande tribuno, dos maiores oradores que passaram pelo Congresso Nacional, visitou a Ilha em busca de suas raízes.

Contava Carlos Lacerda que, acometido de súbita dor de dentes, procurou um dentista e, conversa vai conversa vem, descobriu ser ele um Gonçalves e seu primo.
Aliás, encontrar primos na Madeira é tarefa fácil para os Gonçalves do Brasil, pois é a família mais numerosa da Ilha.
Haja vista que um dos nossos antepassados, o Tenente Antonio Sebastião Gonçalves de Andrade teve 24 filhos com Francisca Maurilia Mendes, sua mulher!!!
Leocádia a tataravô teve onze filhos.

Carlos Lacerda, pelo lado materno, era bisneto de Maria Emilia Gonçalves de Andrade, sobrinha, entre outros, de Leocádia Gonçalves de Andrade e do Bispo D. Manoel Joaquim; daí o seu parentesco com os Mendes Gonçalves.
Sempre pensei ser Maria Emilia irmã de Leocádia mas em seu livro “A Casa de Meu Avô”, Carlos Lacerda diz que ela era prima do Tio Francisco e vieram juntos para o Brasil.

Em almoço em Paris, com o Carlos Lacerda este me pediu para dizer o que sabia a respeito do Chanoîne-Cônego, pois tinha notícia de uma sua passagem por Vassouras, onde exerceu suas funções religiosas.
Os Lacerdas são de Vassouras, no Estado do Rio, o que pode explicar a estada do Cônego nessa cidade.

Quando, em visita à Madeira, Gloria Zita e eu estivemos no Arquivo do Funchal e pesquisamos, nos livros do Tombo, os Gonçalves de Andrade.
Tarefa difícil foi compulsar livros dos séculos XVII e XVIII, com centenas de nomes.
Mas Gloria Zita teve uma idéia: folhearmos os livros de assentamento de batismos, casamentos e nascimentos, não nos detendo nos registros assinados em cruz, ou seja, de analfabetos.
Argumentava que a família, letrada que era, não estaria entre os que assinavam em cruz.
Isto facilitou a pesquisa e logo encontramos, não sem emoção, registros de batismos e nascimentos de membros da nossa grande estirpe madeirense.
(Outra dificuldade é a repetição de nomes, em mais de uma geração, tais como Antonio Joaquim, Joaquim Antonio, Manoel Joaquim, Joaquim Manoel, Joaquim Ricardo, etc.)

O BRASIL:

Foi o Bispo D. Manoel Joaquim quem também convenceu Ricardo Antonio Mendes Gonçalves, seu sobrinho, primo, portanto, de Justino e do Cônego, a vir para o Brasil, onde teria um futuro mais promissor, em um país novo com grandes possibilidades.

Ricardo veio para o Brasil estabelecendo-se no comercio no Rio de Janeiro, e foi muito bem sucedido.
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Em 1853, falecendo seu Pai, José Ricardo Mendes de Freitas, fez vir de Portugal sua mãe, Leocádia e os irmãos que passaram a residir com ele no Rio de Janeiro, onde foram criados e estudaram todos os Mendes Gonçalves.

Entre os irmãos de Ricardo um dos mais jovens era Francisco que veio, com o irmão, a fundar a Cia. Matte Larangeira.
Tio Jose Maria foi outro dos irmãos, engenheiro sanitarista que dizia: “no Brasil há dois engenheiros que entendem de água e esgoto, o Saturnino de Brito e eu; o Saturnino de Brito aprendeu comigo”.

Cabe aqui resumir a historia de Dom Ricardo, nosso bisavô:

Deflagrada a guerra do Paraguai, Ricardo acompanhou o Exército brasileiro, na qualidade de fornecedor dos exércitos imperiais, levando como ajudante Tio Francisco, que teria seus 20 ou 22 anos.
Na campanha tiveram a idéia de um empreendimento comercial para desenvolver o intercambio de produtos extrativos e agrícolas entre Brasil, Paraguai e Argentina.
A idéia foi concretizada, logo após a guerra, em sociedade com Thomaz Larangeira, obtida do Governo Imperial uma concessão de terras no Mato Grosso, como retribuição aos “relevantes serviços prestados à coroa”.

Era a criação da Companhia Matte Larangeira que fundou cidades – Porto Mendes – formou fazendas – Campanário -, desenvolveu a navegação fluvial no Rio Paraná e, por muitas outras iniciativas, contribuiu decisivamente para o progresso de toda a região do Sul de Mato Grosso e do Paraná.
Penso que a Matte foi a primeira empresa multinacional da América Latina – Brasil, Argentina e Paraguai.

Tio José Maria, creio, era o mais moço, pai do Carlitos Mendes Gonçalves, este pai da Dinah (Maria Ricardina ) que foi casada com o Prof. Canuto Mendes de Almeida e depois com o Luiz Lopes Coelho.
Sobre o Carlitos, saudoso Carlitos, também boêmio, também inteligente, mais adiante contarei algumas passagens.

Estão todos no Cemitério da Consolação, muito perto uns dos outros, na Rua 20, com vista para o jazigo de Dona Leocádia.

Dom Ricardo, (depois de algumas tentativas interrompidas –Dolores Vega) casou, em segundas núpcias, no Paraguai, onde foi viver, após a viúves no Brasil.

A família paraguaia é numerosa e cito alguns: o Manoel Ricardo M.G, que conheci em Assunção, a Beba, a Inês que dizia em portonhol: “nada nos resta de la antigua opulência”.

No Paraguai, Dom Ricardo foi cidadão atuante, respeitado, mecenas, patrocinador das artes e das letras. Faleceu em 8 de junho de 1901 e está sepultado no Cemitério da Recoleta em Assunção.

Do primeiro casamento no Brasil teve dois filhos Vovô Eduardo e a célebre Tia Virginia de quem ainda falaremos mais adiante.

Sabem todos que temos uma grande parentela, bem próxima, no Paraguai e, também na Argentina, pois o tio Francisco, radicado em Buenos Aires, casou duas vezes e teve numerosa prole.
Entre seus netos temos a nossa querida Elvirita Amaral e o não menos querido Luis Prates.

Devo citar ainda outro irmão do Vovô Ricardo, o Tio Antonio, pai do Heitor e do Mario M.G. parentes do Mato Grosso, e avô de Fernando Jorge e de Arlete, grande amazona. Quem tem mais dados desse ramo dos M.G. é a Maria Russel, irmã da Venturinha, netas de

Tia Maricota. Nenê que era Ramos Antunes, filha de tia Maricota, e se casou, como Mamãe, com um Mendes Gonçalves, do pessoal de Mato Grosso, Américo.

E ainda outro irmão de D. Ricardo que foi para o Chile e de quem nunca se teve noticia. Será que lá deixou descendência? Devo falar no Tio Jango que morreu em São José dos Campos, ao que consta, voluntariamente.

Nosso antepassado direto é o Comendador da Ordem de Aviz de Portugal Dom Ricardo Antonio Mendes Gonçalves.

De seus descendentes e colaterais brasileiros vou tratar de agora em diante.

O AVÔ – OS TIOS e algumas histórias:


Eduardo Mendes Gonçalves, primogênito de Ricardo, era engenheiro, pela Escola Central do Rio de Janeiro.
Vovô Eduardo, mal formado foi trabalhar na construção da famosa Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, tendo chefiado um dos sectores da grande obra.

Teve destacada atuação política a favor da República, fundando, em Curitiba, o jornal “A Republica”, que defendia os ideais republicanos e do qual foi redator.
Ardoroso republicano, ainda foi Presidente do Clube Republicano do Paraná, que congregava os partidários das idéias positivistas de Ordem e Progresso.

Proclamada a Republica, foi eleito deputado à Constituinte de 1891, ocupando a 4ª. Secretaria da Mesa, ao lado de Francisco Glicério, Prudente de Morais, Saldanha Marinho, Borges de Medeiros e tantos outros lideres da época.

Sua carreira política, contudo, não prosseguiu por muito tempo, pois, como muitos outros companheiros, os chamados republicanos históricos, logo se apercebeu não ser aquela “a Republica de seus sonhos”.

Foi em Curitiba que conheceu e se casou com Julieta Ramos, de velha família paranaense, uma das sete belas irmãs Ramos.

Abandonada a carreira política, voltou a dedicar-se à engenharia, tendo antes, em Ribeirão Preto, formado fazenda de café que não resistiu aos efeitos de geadas ocorridas em fins do século XIX, mais precisamente em 1895.
Em Ribeirão Preto nasceram seus filhos Roberto e Annibal

Engenheiro atuante foi responsável por obras de vulto em São Paulo. Algumas, executou em parceria com Ramos de Azevedo, o famoso arquiteto da época.

A família de Vovô Eduardo e Vovó Julieta tinha seis filhos varões: Ricardo, Luiz, Asdrúbal, Annibal, Roberto e Amílcar; uma filha, Maninha, faleceu ainda criança.

Cada um deles tem uma história que merece ser contada.

Ricardo, o tio Ricardito, poeta, repentista inspirado, foi o que melhor traduziu em versos a nossa alma cabocla brasileira.
Sua Cisma do Caboclo tem lugar de destaque em todas as antologias da literatura brasileira. “A casa onde mora aquela menina” era, ou é ainda, recitada em quase todas as escolas primarias do país.

Companheiro de Monteiro Lobato, no célebre Minarete, seu livro póstumo, Ipês, dele mereceu primoroso prefácio, verdadeiro hino à amizade que os uniu.
A Barca de Gleyre, que reúne a correspondência de Lobato com Godofredo Rangel, é dedicada a três pessoas, entre as quais, Ricardito, o Inesquecível!

Boêmio, muitos de seus versos eram escritos nos mármores das mesas dos bares que freqüentava, sempre seguido por uma corte de amigos e admiradores que recolhiam as belas rimas de sua inspiração.

Idealista, romântico, liderou greves, lutou pelos humildes, compôs versos inflamados contra os poderosos e as injustiças sociais.

Eterno apaixonado morreu aos 33 anos vítima do amor, romântico que sempre foi.

Vovó Julieta, na mesa de cabeceira, sempre conservou, ao lado de seu retrato, um ramo de violetas.

Tio Luiz, o “Bolacha” dos campos do Velódromo e do Paulistano. O expansivo e emotivo Tio Luiz, o Luigi Vampa que a todos fascinava com seu humor e sua exuberância, o grande astro de vatapás inesquecíveis.

O tio até hoje lembrado pelos sobrinhos, saudosos dos tempos da Rosa e Silva e da Peruibe.
O tio das histórias jocosas que contava com tanta verve.

Contavam (ouvi de meu Pai) que chegou a manter um restaurante, ou dele era sócio, parece-me em Santa Cecília, que ficou famoso por um beef, mal passado evidentemente, delicioso, servido com uma bolinha de manteiga coberta de salsinha.
Receita que ensinou à minha Mãe e que até hoje em casa reproduzimos.

Certa ocasião encontrou-se Tio Luiz com um amigo e o convidou para tomar um chope em bar próximo. O amigo disse-lhe que não podia, pois iria comer um´beef “espetacular em um restaurante em Santa Cecília.
Tio Luiz riu-se muito e respondeu: “não vá, pois hoje não tem beef”. – “Como você sabe?” - “Porque o cozinheiro está de folga. Sou eu ...”

Contava seus casos e anedotas e ria, ria tanto, que ficava sem ar, tossindo ofegante.

Recordo a Suavita, que foi a precursora dos desodorantes de hoje. Além da Suavita fabricava perfumes muito bons.

O Tio Luiz, inteligente como poucos, que amou a vida como poucos, morreu feliz, com grande idade, após ter comprado no mercado os pertences para um vatapá que iria preparar.

Tio Asdrúbal, o Bibi, centro avante do Paulistano, cujo chute era o pavor do“goalkeepers” adversários.
Retraído, escondia seu saber profundo e enciclopédico com modéstia exemplar.
Tinha grande sensibilidade.
A propósito lembro-me, quando do falecimento de Vovó Julieta em Santos, sua tristeza, seu desespero, saindo na madrugada fria, chorando, vagando pelas praias do Boqueirão.

Foi talvez o mais culto dos irmãos; poliglota, brilhante tradutor da Editora Martins e das Memórias de Churchill, publicadas no Estadão.

Tio Asdrúbal preparou-me para os exames de admissão ao Ginásio de São Bento.
Em poucos meses, na Rua Paraguaçu, nas Perdizes, onde morava, transmitiu-me seu vasto conhecimento de Historia, Geografia, Ciências, Matemática, Português.
Os bons resultados foram fruto de sua dedicação e preparo incomparáveis.

Tio Asdrúbal que tão cedo nos deixou, transmitiu seu imenso carinho ao filho Ruy que tanto amou. O primo caçula Ruy, o dinâmico e competente administrador que transformou a Saraiva em uma das mais importantes editoras brasileiras.

Tio Roberto Outro grande futebolista, do quinteto de ataque do Paulistano, os então famosos cinco irmãos.
Foi distinto aluno da École de Sciences Politiques de Paris, a conhecida Sciences Po.

Aplicado, preparado, foi diplomata que honrou a tradição do Itamaraty.
De princípios inabaláveis, foi preterido na carreira por ter sido Secretario do Presidente Washington Luiz, fato que o ditador Vargas jamais perdoou.

Muito se orgulhava de ser diplomata por concurso, sem proteção, como era de hábito na época.

Autor e compilador de Um Diplomata na Corte de São Cristóvão, tradutor de Os Japoneses São Assim e autor de memórias em 40 Anos de Champanhe, soube, como poucos, ilustrar as missões que lhe foram confiadas, seja no Instituto Rio Branco, no Departamento Cultural, seja nas Embaixadas do Japão, Finlândia, ou nos postos que ocupou na Europa e na América.

E tinha o charme e a simplicidade dos irmãos e dos Mendes Gonçalves.

Quando nos visitava era sempre um acontecimento.
Ficava hospedado na casa de meus Pais e dizia para “taquiner”: “se come muy ien en la casa del señor Annibal, pero se bebe muy mal”.

De fato, meu Pai não era um amador de vinhos; gostava sim de uma boa cerveja, (lembranças da Bélgica, onde viveu) e da batida de limão, antecessora da caipirinha, que Mamãe preparava com maestria.
Mas a comida orientada por Mamãe era soberba e, para o tio, sempre ausente, saudoso do sabor brasileiro, uma delicia. Pois Tio Roberto era um refinado “gourmet”

Certa vez no Carnaval emprestou-me o apartamento da Ruy Barbosa por uns dias. Pretendendo ir ao baile do Municipal e não tendo fantasia, procurei e encontrei nos armários do Embaixador, um belíssimo kimono de seda, com inscrições em japonês.
Não tive dúvida, enverguei o kimono e parti para o baile. Já dançando no cordão, vejo um senhor japonês de smoking, que se curvava, saudando-me com muita reverência..
Fiquei intrigado e, procurando saber quem era, disseram-me ser o Embaixador do Japão no Brasil.

Mais tarde, por Tio Roberto, que não gostou muito de minha ousadia em apropriar-me do kimono, soube que a peça era presente do Imperador Hiroito e as inscrições referiam-se ao alto nível hierárquico daquele que o portava. Explicavam-se, assim, os respeitosos cumprimentos do Embaixador.

.Tinha muito espírito e dava sonoras gargalhadas. É conhecida a historia de uma visita que fez a uma boite de homo-sexuais em Buenos Aires. Ao chegar, deparou-se com um porteiro enorme, com um bigode ainda maior..
Não se conteve e perguntou: ‘? Usted tambien es?”Ao que o”costaud” respondeu, com um vozeirão:” E por que non señor ?”

Todos aprendemos muito com o Tio Roberto. Lembram-se do cachorrinho que também falava português?

Uma vez na Áustria, em passeio à Baviera, disse-me e ao Álvaro Campos, que viajava comigo: “se vocês amanha, às 9 horas, não estiverem prontos e barbeados, não iremos visitar o Ninho da Águia, de Hitler, em Berchtesgaden”. Não deu outra: atrasamos e aparecemos com a barba por fazer.
Perdemos o passeio, mas aprendi a importância de ser pontual e de bem me apresentar.

Tínhamos muita intimidade com Tio Roberto, como, aliás, com todos os tios.

Enfim, era um grande “causeur” e a todos encantava. Encantamento que até hoje perdura ao nos recordarmos das passagens em sua companhia.

Tio Amilcar Era o caçula dos irmãos e também futebolista de mão cheia (aliás,de pé cheio) Era o Causinho, como o chamava Vovó.

Advogado pela Faculté de Droit de Paris, sempre cultivou a França, sua língua e sua cultura.
Chevalier de la Legion d´Honneur et des Palmes Académiques, foi Presidente da Aliança Francesa de Santos.
Presidiu por muitos anos o Rotary Clube de São Paulo.

Cidadão prestante, de alto espírito associativo, tinha conduta irrepreensível sob todos os aspectos e rigidamente obedecia aos preceitos éticos da advocacia.

Esportista militante do Tênis Clube do Santos, do qual parece-me que foi Presidente, foi a raquete numero um da cidade e nos contava que só deixou de ser quando surgiu um japonês Fujikura, que ganhava todas.

È conhecido o episódio em que, tendo substituído, em uma causa, um colega que viajara e por isso impedido de atuar, recebeu do cliente um cheque, correspondente aos honorários advocatícios. Imediatamente remeteu ao colega uma carta, dizendo que não lhe cabia receber por uma causa que não era sua e que por isso encaminhava o cheque recebido.
Era o seu estilo de elegância e correção.

Sempre que em Paris passamos pela Rue des Ecoles dirijo um pensamento ao Tio Amílcar que foi um modelo para todos nós.

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Baby Almeida, mulher do Príncipe dos Poetas, Guilherme de Almeida, contou-nos que conhecera os Mendes Gonçalves em Biarritz, que eram os moços mais bem educados que até então havia encontrado.

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Dirão, porque foram todos para a Europa estudar?

Não foram todos. Ricardito e Luiz não foram, por motivos diversos.

Ricardo, já cursando a Faculdade de Direito, com intensa vida literária e acadêmica, ficou em São Paulo.
Luiz, noivando com Tia Sylvia e trabalhando com o Pai, também ficou.
Eram os mais velhos e já encaminhados.

Mas porque os outros foram ?

Sabem todos que os “meninos” eram grandes jogadores de football, que aprenderam no Velódromo (atual Praça Roosevelt) e depois no Paulistano.

Eram obcecados pelo esporte, tendo sido campeões paulistas pelo CAP inúmeras vezes e, penso eu, até campeões brasileiros.

Essa obsessão causava preocupação ao Pai, Vovô Eduardo, que temia que os estudos ficassem em segundo plano.

Vovô Eduardo negociava na França patentes de pisos asfálticos e para lá fez algumas viagens. Ao observar o grau de adiantamento da civilização européia, então no auge, surgiu-lhe a idéia de fazer seus filhos estudarem na Europa, contribuindo assim para que também se afastassem do esporte que tanto os ocupava.

Assim é que partiram para a Europa, os quatro irmãos, com a Mãe e Tia Virginia.

Na Bélgica, os jovens irmãos fizeram o liceu, aprenderam a língua francesa e se tornaram aptos a seguir os cursos universitários.

A invasão da Bélgica pelos alemães, na Grande Guerra, obrigou-os a se transferir para a França, Paris, onde foram morar na Rue de Sèvres, metro Duroc, no 3º andar de edifício que ainda hoje existe e foi por mim fotografado.

Na viagem de Bruxelas para Paris é famoso o episódio dos alemães revistando os passageiros e encontrando o “bichômetro” da Tia Virginia.
Era um caderno com os resultados do jogo do bicho desde sua criação pelo Barão de Drumond, seu amigo.
Tia Virginia, extremante inteligente, intuira as probabilidades de sorteio dos bichos em função dos resultados anteriores.
Por isso estudava o retrospecto”, para fazer a sua “fezinha”. Era um caderno repleto de cifras e datas.
Foi difícil explicar para os “boches”que não era um caderno de códigos secretos, mas sim o bichômetro da Tia Virgínia.

Enfim: chegaram a Paris e as historias, jocosas ou não, se sucedem.
“Madame a sonné? Non, Madame Gonçalves’.
Perigueux, cidade da Aquitania, parada de trem, passa a ser para os brasileiros: ‘Cuidado, é perigoso’.
A Grosse Berta, canhão alemão que atirava sobre Paris, Os táxis da Batalha do Marne requisitados por Jofre, eram fatos que Tia Virginia nos contava com riqueza de detalhes.
Lembro ouvir o episódio da visita, em plena guerra, com rígido racionamento, do Nogueira, o famoso Taubaté, (por ser oficial do navio Taubaté), que vinha com carta de apresentação do primo Flavio Guimarães.
O Nogueira, logo ao chegar à Rue de Sèvres, pede que abram um champagne para brindar a madrinha que aniversariava no Brasil.
O Carlos Nogueira Pinto nunca mais largou os Mendes Gonçalves, sobretudo Annibal que venerava.

Que tempos difíceis, mas ricos de experiência.

Quatro jovens brasileiros, que em terra estranha se aplicam, se esforçam, em meio a dificuldades de toda ordem, em tempos difíceis de guerra, estudam, se laureiam com ótimos resultados e, cada um, na carreira escolhida, representa um modelo, um exemplo, para os descendentes.

ANNIBAL MENDES GONÇALVES 

Annibal Depois do Bibi, dizem, o melhor atacante dos cinco irmãos. Foi o Pelé da época

Cursou o liceu na Bélgica e matriculou-se na escola de Engenharia de Gand, mas não continuou o curso em virtude da guerra.

Transferiu-se para Grénoble, onde cursou o Institut Electrotechnique, formando-se em engenharia, em 1918.

Na Bélgica havia deixado seu filho Roger, nascido em novembro de 1914.

A historia de Roger, Annibal e Claire, a pedido expresso deles, foi sempre guardada discretamente pelos que dela tinham notícia e só foi conhecida por nós filhos, quando surgiu o anuncio no Estado de S. Paulo.

A continuação é sabida. Representa para todos os Gonçalves, brasileiros e belgas, os momentos mais bonitos da historia familiar.

O reencontro nos causa a maior emoção sempre que falamos dele. E falamos sempre.

A ida de Maria Victoria à Bélgica, as vindas de Roger, Georgette e os sobrinhos, antes Thierry e depois Poulo, Jean-Jean et Alain, ao Brasil, Gloria Zita e eu encontrando Roger em Berg, são passagens inesquecíveis de nossas vidas.

O final feliz da história nos enche de orgulho, pelo nosso Pai, por nossa Mãe, prima de Roger, de grandeza incomparável, grande dama que era, e também por todos nós Gonçalves, belgas e brasileiros.

As qualidades de meu Pai, como cidadão, intelectual, humanista, pai, amigo, compõem a personalidade de quem, como ele, foi tão respeitado, admirado, e querido, como poucos têm sido em suas vidas.

Penso ser interessante reproduzir alguns trechos da notícia que, com auxílio do Álvaro Roberto, escrevi sobre Papai, quando das comemorações do centenário de seu nascimento em 4 de novembro de 1992.

Annibal Mendes Gonçalves nasceu em Ribeirão Preto em 4 de novembro de 1892, filho do Engenheiro Eduardo Mendes Gonçalves e de Julieta Ramos Mendes Gonçalves.

Casou com Alzira Ramos, sua prima, filha de Álvaro Teixeira Ramos e Maria Joanna Diniz Ramos.

Na mocidade, Annibal foi esportista entusiasta, praticando o football que Charles Miller introduzira no Brasil.

Por volta de 1905, com menos de 14 anos de idade, já jogava no Paulistano, envergando a camisa 10, na posição de meia esquerda.

Com seus quatro irmãos, Luiz, Asdrúbal, Roberto e Amílcar, formou na famosa linha de ataque dos irmãos Gonçalves que tantas vitórias e campeonatos conquistou.

Estudante na Bélgica sagrou-se campeão belga, pela Association Athletique La Gantoise.

Cursou o Lycee e iniciou os estudos de engenharia em Gand, transferindo-se em 1914 para Grénoble, onde cursou uma das Grandes Ecoles, o Institut Eletrotechnique, diplomando-se com distinção em 1918.

Os anos passados na Europa, em plena efervescência política e cultural, durante e após a Grande Guerra e o surgimento das novas idéias libertárias e as lutas pela justiça social, influenciaram a formação do jovem Annibal, que acompanhou de perto os movimentos que agitaram o velho continente.

Vivendo os momentos dos intensos debates e das lutas que se travavam em toda Europa, em razão das idéias socialistas e dos movimentos de renovação cultural que enriqueceram essa época, pode Annibal, a par de sólida formação técnica-profissional, desenvolver apreciável cultura humanística, traço marcante de sua personalidade.

Dotado de prodigiosa memória, com senso de oportunidade e sem pretensão, sabia fazer citações literárias apropriadas que serviam de lição aos mais jovens que se encantavam.

Os autores clássicos franceses, as tragédias de Racine, as comédias de Moliére, os épicos de Corneille para ele não tinham segredo podendo dizê-los, muitos deles, de cor.

. . . Possuidor de acentuado espírito associativo, cedo se integrou ao Instituto de Engenharia, entidade da qual passou a ser um dos membros mais assíduos e atuantes.

No seu famoso “symposium” fazia-se ouvir e debatia com as mais proeminentes figuras da engenharia paulista, não só os problemas técnicos de engenharia, como também as questões políticas e sociais de toda ordem

. . . são famosas suas quadrinhas que satirizavam os personagens e os costumes políticos da época e que faziam a delicia dos companheiros do symposium . . .

Ocupando diversos cargos na Diretoria e no Conselho da entidade, chega em 1941, em memorável eleição, à Presidência do Instituto, que exerceu com invulgar brilho em conturbado período da 2ª. Guerra Mundial.

Como cidadão atuante, desde os pródromos viveu a Revolução Constitucionalista de 1932, dela participando como Major Engenheiro do D.C.M, Departamento Central de Munições, onde se fabricavam, em condições de extrema periculosidade, obuses, granadas e artefatos bélicos para as forças constitucionalistas,

Acompanhou e apoiou, com entusiasmo, os movimentos políticos que sensibilizaram o país e, tendo filhos universitários, estimulou-os e aos seus colegas, a atuar nas manifestações que se realizavam contra a ditadura de Getúlio, em prol da democracia, e as que preconizavam a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados.

Integrou Annibal o Partido Constitucionalista, membro de seu Diretório das Perdizes, distrito do qual foi Juiz de Paz.

Participou da fundação da União Democrática Nacional e durante toda sua vida manteve suas convicções liberais e democráticas com alto espírito de independência.

Não olvidando sua formação universitária forjada na Europa e em especial na França, fundou, com antigos companheiros e colegas, entre os quais, Octávio Marcondes Ferraz, dileto amigo de toda a vida, a Associação dos Antigos Alunos das Escolas Francesas que em breve comemora seus 60 anos de existência.

Faleceu em 5 de abril de 1960, aos 67 anos de idade.

Homem realizado que foi adorado por todos que o cercavam. Generoso, desprendido como poucos, de um magnetismo pessoal extraordinário, era o que hoje se chamaria um ser carismático.

Com freqüência, quando os amigos dos filhos chegavam à sua casa e o encontravam, preferiam ficar em conversa com ele, a saírem para as baladas.

Até hoje os que o conheceram falam dele com carinho. Pela sua cultura, pela sua simplicidade, pela sua generosidade, seja entre os amigos dos filhos, na família ou fora dela, nos meios profissionais, nas entidades de que fez parte, seu nome é lembrado com admiração e saudade.

.Além de inúmeros outros amigos, fiel e admirador foi o primo Carlitos, filho do Tio Zé Maria, o engenheiro sanitarista.

Carlitos – Carlos Mendes Gonçalves – Chegou a ser aprovado em exames na Escola Politécnica, mas não seguiu o curso por ter sido desenganado por um médico que, ao examiná-lo, lhe deu poucos meses de vida.

Diante dessa sentença Carlitos resolveu despedir-se da vida à altura, caindo na mais desenfreada e desbragada boemia que durou, imaginem, até a sua morte, com cerca de oitenta anos.

O diagnóstico médico estava errado. Perdemos um engenheiro, ganhamos um boêmio incorrigível.

Meu Pai foi contratado pelo sogro do Carlitos, o Canuto, professor da Academia de Direito, para construir sua casa no Pacaembu.

Entre as cláusulas contratuais havia uma, singular, inusitada. Construir um barracão com especificações superiores às usuais, pois deveria servir para seu sogro Carlitos desempenhar na obra a função de almoxarife. Era uma maneira de dar uma ocupação ao Carlitos.

Meu Pai cumpriu fielmente o contrato e fez construir um cômodo arejado, dotado de água e luz, instalações sanitárias, enfim com condições especiais, acima do padrão normal.

O Carlitos não teve dúvida, achou tão bom o barraco que passou a residir na obra, convocando para ajudá-lo nas lides domésticas mocinhas que se ocupavam da limpeza, da cozinha e de outras tarefas óbvias.

Certo dia o Carlitos resolveu oferecer, no barraco, uma feijoada para meu Pai e alguns amigos do Instituto. Estive presente. Foi uma feijoada deliciosa, regada com muitas batidas e servida em um aparelho completo de porcelana das Índias Portuguesas!!!

Meu Pai conseguiu salvar uma peça, hoje em meu poder: uma sopeira magnífica. O resto talvez se tenha quebrado ou sido surrupiado em uma das muitas reuniões festivas que o nosso Carlitos oferecia no Pacaembu.

Grande xará, o Carlitos, sempre com a palheta e a gravata borboleta. É um dos vizinhos da Consolação.

Minha Mãe, Alzirinha, prima irmã de Annibal foi a companheira maravilhosa de meu Pai, durante quase 40 anos.

Quando meu Pai morreu em 1960, Mamãe também morreu um pouco. Um pouco não, muito.

Com 58 anos de idade a prima e mulher de Annibal, que o tratou com o maior carinho e desvelo, só conseguiu superar em parte a dor quando nasceu, dois meses depois, Maria Beatriz, filha da Beatriz a quem se afeiçoou e se dedicou como só ela sabia.

Na doença, meu Pai a chamava Alzirinha, Rhodine a boa enfermeira. (Rhodine era um remédio muito anunciado no rádio).

Mamãe era tímida e reservada, mas era fina, como costumava dizer; tinha um espírito refinado e fazia intervenções sempre apropriadas e pertinentes.

Discreta nunca foi uma sogra na acepção pejorativa da palavra. Estava à disposição sempre para ajudar, mas nunca se intrometia na vida das noras e do genro.

Como boa filha de paranaense apelidava com muita propriedade as pessoas, mas sempre sem maldade. Um amigo nosso era o sacristão. Perfeita denominação que lhe caia como uma luva.

Tinha opiniões claras e positivas e admirava as pessoas de convicções.

Como sua sogra e tia Julieta, gostava de política e era UDN de coração.

Uma atitude, independente e desassombrada, do Dr. Antônio, pai de Gloria Zita, lhe fez dizer: ”parecia o Annibal” e, contra os seus hábitos, retraída que era, foi visitá-lo para testemunhar seu apoio.

Era esta a prima e companheira de Annibal que o completava e que no episódio do encontro de Roger e da família belga, ao ser perguntada se ficaria magoada se recebêssemos o sobrinho belga, respondeu com firmeza: “muito me admiraria se isso não ocorresse, não seriam meus filhos se não o fizessem – por isso bem os eduquei”.

Recebeu Roger e a família belga mais do que com fidalguia, com amor e muito se comoveu com o reencontro.

Como diria o Roberto e dizemos todos nós: grande dama – que belos ensinamentos nos transmitiu.

Éramos, sempre fomos, uma família unida. Sob a égide de Annibal, o líder dos Mendes Gonçalves – como diziam, não os filhos, suspeitos, mas os sobrinhos - e de Alzirinha, só podíamos ter tido bons ensinamentos que, felizmente passamos para os nossos filhos e sabemos que eles já estão transmitindo para os nossos netos.

Entre as figuras familiares ligadas a meu Pai aparece a Tia Virgínia, nossa Titia, a sempre falada Tia Virgínia que morou muitos anos conosco.

Suas histórias dariam um romance, encheriam páginas e páginas.

Extremamente inteligente, desconfiada, “cavaquista”, brava, mas também, boa, generosa, desprendida.

Vivia com mesada de 700 mil reis que seu tio Francisco lhe mandava de Buenos Aires. Mesada reduzida para 200 quando o tio faleceu.

Foi casada, aos 21 anos, com um médico carioca, Dr.Loyola, que faleceu antes de completar um ano de casamento.

Nunca mais se casou e 70 anos depois quando falava do marido jurava-se que havia morrido na véspera.

Tinha um pequeno grande vicio: o jogo do bicho. Como dizia, era muito “caipora”, raras vezes ganhava, mas quando isso acontecia, enchia todos de presentes. A mim e ao Roberto costumava, contra a vontade de meu Pai, “escorregar umas moedas” o que fazia às escondidas.

Uma vez, estando de “burros” como se dizia, estremecida com Mamãe, jogou no bicho e ganhou. Esqueceu as desavenças e presenteou minha Mãe que lhe disse: ”mas Dona Virgínia está zangada comigo, como me dá um presente?”, ao que ela respondeu: “esqueça, pois eu já esqueci”.

Dias mais tarde, outro estremecimento, Titia vem a dizer: “Alzirinha não queria o presente, mas bem que bifou”. Quando zangada ficava toda formalizada, e à mesa, quando era servida, dizia: “é o bastante”.

Tinha paixão por meu Pai. Logo que ele se casou Titia foi morar com o casal Quando meus Pais saiam a passeio se despediam da Tia Virgínia, mas esta dizia sempre:”eu também vou”. Imaginem Mamãe como ficava, querendo ter uns momentos a sós com o marido.

Senhora dos antigos provérbios portugueses: ”pés quentes, cabeça fresca, ventre livre, ride-vos dos médicos”.

Era muito habilidosa e criativa. Fazia tricô à perfeição, inventou doces e bolos com sacarina para diabéticos. Mamãe cozinhava muito bem; sei que aprendeu muito com a saudosa Tia Virgínia, grande companheira de Vovó Julieta em Paris, durante a guerra de 14.

Tia Virgínia, que tanto marcou as nossas vidas, parece que ainda está presente entre nós.

* 1953 + 1946, 93 anos de vida – repositório de tantas histórias dos Mendes Gonçalves.

Outra figura, não Mendes Gonçalves, mas presente em todas as ocasiões: o imaginoso Tio Joaquim Moreiratio Joá, 25 anos mais moço do que sua mulher, tia Ninete, irmã de Vovó Julieta; uma das mulheres mais bonitas de seu tempo.

Tio Joá sabia todos os aniversários e datas importantes da família e não deixava de se manifestar e comparecer aos eventos, sobretudo quando havia uns salgadinhos e doces que comia misturados, dizendo que iam para a vala comum.

Um pouco necrófilo, no bom sentido, era imprescindível para resolver as formalidades necessárias aos sepultamentos. O Comendador Moreira era conhecidíssimo nos cemitérios da cidade.

Dotado de portentosa imaginação contava historias de que tinha sido testemunha ou delas participado, com uma riqueza de detalhes impressionante.

Uma delas: quando pilotou um avião, cujo comandante teria morrido em pleno vôo (ainda bem que era um céu de brigadeiro).

A história da mãe que deu à luz a um monstro e que ele Joaquim trocou por um filho de mãe solteira. E muitas e muitas outras histórias. . .

Era um rico tipo e faz parte do nosso folclore familiar; sentimos muito sua falta.

Eduardinho, o nosso querido Eduardinho, primogênito do tio Luiz, meu saudoso xará, que nunca faltou a todos da família e aos amigos, nos bons e nos maus momentos.

Prestativo, carinhoso, solidário, sempre pronto a auxiliar.

Como me lembro de seus “socorros” ao meu Pai, com o carro atolado na estrada em Mauá.

Outra vez, quando, em plena passagem de ano, foi atender meu Pai que havia esquecido as chaves de contacto dentro do carro trancado.

E quando me levou à força ao hospital para expelir um cálculo renal e me salvou, talvez, a vida.

Um pensamento, um desejo ele adivinhava e satisfazia incontinenti. O amigo preso a aparelhos ortopédicos que não entravam pela porta da casa; Eduardinho demoliu a parede, reconstruindo-a logo em seguida à entrada do amigo.

Deve estar no céu ajudando outros a entrarem pela porta; se não der, o xará derruba as paredes do Paraíso.

Papai a todos soube congregar e com seu bom humor, sua simpatia, sua cultura, seu “carisma”, permanece até hoje vivo em nossos corações e meus olhos se enchem de lagrimas ao escrever sobre ele e minha Mãe e todos os outros nestas singelas notas sobre os Mendes Gonçalves.


São Paulo, outono de 2006.

Carlos Eduardo Mendes Gonçalves

Glossário

Droit de conquête – direito por merecimento 
Taquiner – provocar, “tirar sarro” 
Causeur - conversador        
Vieillesse – velhice  
Fezinha – aposta no bicho Caipora – sem sorte
Funchal – capital da Ilha da Madeira 
Costaud - grandalhão 
Bifou- pegou, proveitou

Árvore Genealógica
De Julieta Ramos e
Dr. Eduardo Mendes Gonçalves até os dias de hoje.

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